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Pioneiros das tecnologias quânticas recebem o Prêmio Nobel de Física de 2022

nobel physics slide

O Nobel de Física de 2022 foi concedido à Alain Aspect (Universidade Paris-Saclay), John Clauser (que atualmente trabalha em sua empresa) e Anton Zeilinger (Universidade de Viena) por experimentos que provaram a natureza profundamente estranha da realidade em sistemas quânticos. Na declaração a imprensa da Academia de Ciências Real da Suécia, é mencionado que os três físicos realizaram “experimentos com fótons [partículas de luz] emaranhados” e foram pioneiros da “ciência da informação quântica”. Esses experimentos estabeleceram a existência de um fenômeno quântico bizarro conhecido como emaranhamento, onde duas ou mais partículas separadas à longa distâncias compartilham informações, apesar de não terem uma maneira concebível de se comunicar. Os três pesquisadores irão dividir em partes iguais o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,8 milhões).

Eva Olsson, membro do comitê Nobel disse, na cerimonia de anúncio [https://bit.ly/3rv8K4z], que “a ciência da informação quântica é um campo vibrante e em rápido desenvolvimento. Tem amplas implicações potenciais em áreas como transferência segura de informações, computação quântica e tecnologia de detecção. Suas previsões abriram portas para outro mundo e também abalaram os próprios fundamentos de como interpretamos as medições [em sistemas quânticos]”. A mecânica quântica, área da física que se dedica a descrição de sistemas microscópicos foi responsável por uma grande revolução tecnológica no século XX com o advento dos transistores, da microeletrônica, do laser, relógios atômicos etc. No século XXI essa área da física continua a promover novos avanços tecnológicos disruptivos com o surgimento dos primeiros computadores quânticos e sistemas de comunicação criptográficos quânticos. Pode-se dizer que o fenômeno do emaranhamento quântico está no cerne dessas novas tecnologias. A seguir vamos tentar resumir os desenvolvimentos que levaram ao prêmio Novel de Física de 2022.

Mas o que é emaranhamento?

“Eu não chamaria o emaranhamento de ‘um’, mas sim de ‘o’ aspecto mais característico da mecânica quântica que a diferencia do mundo clássico”, disse Erwin Schrödinger em 1935, um dos pais fundadores da mecânica quântica. É comum os físicos utilizarem analogias didáticas (e não muito precisas) para explicar o conceito pouco intuitivo de emaranhamento que é na verdade um tipo muito especial de correlação entre duas (ou mais) partículas. Vamos então a uma dessas analogias. Imagine dois dados de cores distintas (azul e vermelho) correlacionados de forma que a soma dos números sorteados em um lance seja 8. Em diferentes lances dos dados azul e vermelho poderemos obter combinações distintas de valores para cada dado, 2 e 6; 6 e 2; 5 e 3; 3 e 5, 4 e 4, respectivamente, de modo que a soma seja sempre 8. No mundo clássico macroscópico o resultado de cada dado está bem definido a cada lance, independente de você conhecê-los ou não. Imagine lançar os dados em um quarto escuro, acender a luz não alterará o resultado obtido. Agora vem a estranheza do mundo quântico. Se estes dados fossem quânticos e possuíssem emaranhamento, os resultados individuais, de cada dado que levaram a soma 8, estariam indefinidos no que os físicos chamam de estado de superposição quântica. As diferentes combinações dos dados seriam igualmente possíveis em estado indefinido e só se tornariam “reais” no momento que uma medida fosse realizada. Metaforicamente acender a luz do quarto escuro alteraria o “estado” dos dados quânticos. Se ao realizar uma medida do “estado” do dado azul, obtemos, por exemplo, 2 podemos dizer com certeza que o dado vermelho está no estado 6 não importando o quão distante os dois dados estejam. Isso aconteceria devido ao fato de os dados estarem emaranhados. Somente o estado global (a soma dos dois resultados) estaria definida e seria de conhecimento do observador antes da medida. Esse aspecto de sistemas quânticos incomodava profundamente Albert Einstein que chamou isso literalmente de “ação fantasmagórica a distância” em 1935. Einstein defendia o que chamamos de interpretação realista da teoria, ele achava que as propriedades físicas das partículas deveriam ter realidade (estar predefinidas) antes de sua observação. Com essa visão em mente, uma possibilidade para explicar o que acontece ao medir estados emaranhados era considerar que a mecânica quântica em si não era uma teoria completa e que poderia existir alguma forma de variáveis locais ocultas (não descritas pela teoria). Algo como um conjunto de instruções não visíveis para o observador que levavam a um certo resultado nos experimentos.

Seria então a mecânica quântica uma teoria incompleta?

Para responder esta pergunta, John Bell desenvolveu um modelo matemático, na década de 1960, que ficaria conhecido como desigualdade ou teorema de Bell. Esse modelo dizia que se houvessem variáveis ocultas (como as sugeridas por Einstein), a correlação exibida pelas partículas nunca poderia exceder um determinado valor se fosse realizado um número muito grande de experimentos. Caso a desigualdade fosse violada, em um experimento cuidadosamente desenhado, a hipótese de variáveis ocultas deveria ser descartada e emaranhamento seria de fato um fenômeno presente na física quântica, embora difícil de compreender. As previsões teóricas da época já indicavam que a desigualdade de Bell poderia ser violada. Embora importante do ponto de vista conceitual na época minguem vislumbrava aplicações tecnológicas para esses questionamentos. Como é comum em ciências naturais questões fundamentais acabam encontrando grandes aplicações tecnológicas, é só uma questão de tempo. Thors Hans Hansson, membro do comitê do Nobel, observou que: “Os experimentos realizados por Clauser e Aspect abriram os olhos da comunidade física para a profundidade da declaração de Schrödinger em 1935 e forneceram ferramentas para criar, manipular e medir estados de partículas distantes que estão emaranhadas.”

Como provar a existência de emaranhamento?

Clauser desenvolveu, no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e na Universidade da California, as ideias de Bell e foi o primeiro a montar um experimento que demonstrou, em 1972, a violação da desigualdade de Bell em um sistema com dois fótons emaranhados. Esse experimento tinha algumas limitações, em particular os arranjos de medida (direções de polarizadores) eram fixos. Nos anos seguintes, Alain Aspect realizou uma série de testes de Bell cada vez mais rigorosos em Paris, culminando em um experimento bastante sofisticado em 1982. Nesse teste, os arranjos experimentais das variáveis medidas mudavam aleatoriamente em bilionésimos de segundo. Mais uma vez, os resultados dos experimentos foram a favor de Bell e da mecânica quântica e contrários a visão de Einstein (que desta vez estava errado).

Alguns chamados loopholes (brechas) no teste experimental do emaranhamento permaneceram. É como combater uma teoria da conspiração, era preciso descartar qualquer influência na análise dos dados experimentais de alguma característica oculta ainda não conhecida pela teoria. A pesquisa de Anton Zeilinger na Universidade de Viena estreitou ainda mais essa faixa de dúvida restante. Em um experimento de 2017, por exemplo, ele liderou uma equipe que usou as cores dos fótons emitidos por estrelas distantes centenas de anos luz para determinar as configurações do experimento de Bell. Se alguma conspiração cósmica estava criando a ilusão de emaranhamento, teria que começar muitos séculos antes do nascimento dos experimentadores. Zeilinger também realizou em seu laboratório o primeiro teletransporte quântico de informação usando emaranhamento já 1997. Neste experimento, análogo ao teletransporte da ficção científica, o estado de uma partícula é transferido a outra em uma localização distante resultando em um envio massivo de informação impossível em sistemas clássicos de comunicação, como a internet comercial que temos hoje.

O que o futuro nos reserva?

Para além de questões fundamentais da teoria, como mencionado pelo comitê Nobel, esses experimentos abriram as portas para novas aplicações tecnológicas baseada em mecânica quântica e emaranhamento. Para se ter uma ideia do que estamos falando, atualmente há um satélite em orbita, operado pela China, totalmente dedicado a comunicações criptográficas quânticas que exploram o fenômeno de emaranhamento. Computadores quânticos já podem ser acessados na nuvem e prometem um poder de processamento muito superior aos computadores convencionais. Há também aplicações de fenômenos quânticos para criar detectores supersensíveis que já estão sendo comercializados e dão origem ao que chamamos de metrologia quântica. Hoje podemos dizer que os grandes mistérios e estranhezas da mecânica quântica, que antes despertavam apenas debates acadêmicos e filosóficos no passado, serão os grandes motores da revolução tecnológica do século XXI.

O Brasil não está fora desta corrida tecnológica quântica, possuindo uma comunidade científica muito ativa e reconhecida internacionalmente na área. Em particular, na UFABC temos um grupo de pesquisa dedicado a Informação e Tecnologias Quânticas [https://www.quantumufabc.org/]. O grupo possui um portifólio diversificado de contribuições científicas que incluem experimentos em questões fundamentais da mecânica quântica em spins nucleares [https://bit.ly/3RDRkNu] [https://bit.ly/3yhUgbI] e um laboratório de fótons emaranhados [https://bit.ly/3rQxsfX] capazes de violar a desigualdade de Bell e que podem ser utilizados em cominações criptográficas quânticas. Além da pesquisa científica, a UFABC também forma profissionais altamente qualificados, no Programa de Pós-Graduação em Física, para lidar com os desafios da Engenharia Quântica no século XXI. Alguns desses profissionais formados na universidade já estão trabalhando com tecnologias quânticas em grandes bancos e empresas no Brasil e exterior.

Roberto Serra, Professor UFABC.

Registrado em: Prêmio Nobel 2022
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